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Câmara de mediação da AGU resolveu R$ 278 bi em litígios

Notícias - 6 de setembro de 2023

Câmara de mediação da AGU resolveu R$ 278 bi em litígios

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*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico, no dia 06 de Setembro de 2023

Mais conhecida pela solução de conflitos entre entes públicos, a Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF), da Advocacia-Geral da União (AGU), finalizou 143 processos nos últimos cinco anos, em um total negociado de R$ 278,5 bilhões. Parte das disputas envolve empresas que, desde a pandemia da covid-19, passaram a procurar com mais frequência os mediadores da entidade.

“O perfil de quem está trazendo os casos para cá está mudando. O mercado está vindo mais e temos recebido retornos muito positivos”, afirma José Roberto da Cunha Peixoto, diretor da CCAF, acrescentando que o boom com o setor privado ocorreu no ano de 2020.

Hoje, há um total de 218 casos em tramitação – sendo cerca de 70 admitidos e o restante ainda em exame de admissibilidade – que estão nas mãos dos 15 mediadores da entidade. O número ainda não inclui o conflito entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Petrobras sobre a perfuração de um poço na Margem Equatorial, que ainda será levado à CCAF para tentativa de solução consensual.

“O que se busca é a pacificação, não há uma solução imposta”, diz Peixoto. O acordo, acrescenta ele, não envolve necessariamente a imposição de que cada um dos envolvidos precisa ceder um pouco em seu pedido, e sim uma análise do que é fundamental para cada um e dos riscos envolvidos se deixarem a questão para o Judiciário. “Trata-se de uma negociação investigativa, em que além de saber o pedido em si, é importante entender os interesses.”

De acordo com o diretor da CCAF, “quanto menos papel nas primeiras fases, melhor”. É mais difícil para as partes negociarem, afirma ele, depois de manifestações formais por escrito. “Hoje não pedimos nada disso. Ganhamos tempo e melhoramos a qualidade da comunicação usando a oralidade.”

Parte dos conflitos envolve particulares. Um deles, exemplifica Peixoto, discutiu o pagamento de R$ 14 milhões à Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa) por uma madeireira como indenização por danos ambientais. A disputa, que durou 40 anos, já estava no Supremo Tribunal Federal (STF), com decisão favorável à associação, mas com análise da possibilidade de prescrição.

“As partes não cedem porque são boazinhas, cedem porque fazem uma análise de risco. A cultura de análise de risco é muito importante para que a conciliação se realize”, afirma o diretor da CCAF.

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Uma das negociações bem sucedidas entre entes públicos, cita Peixoto, resolveu o conflito entre a União e a Prefeitura de São Paulo sobre o Aeroporto Campo de Marte, em 2022, mais de 60 anos depois que o município ajuizou ação para retomar a área e obter indenização pelo seu uso. No acordo foi feita a troca do valor da indenização pelo uso da área pelo montante da dívida da prefeitura com a União, de aproximadamente R$ 24 bilhões.

A cultura da pacificação é nova e você tem que apresentar ao cliente” — Gustavo Oliveira

Em geral, diz o diretor do CCAF, é feita uma estimativa do pior e do melhor cenário para a parte e qual a probabilidade deles acontecerem para considerar que um acordo pode ser a alternativa mais vantajosa. “Queremos que seja um ganha-ganha.”

Para Alan Vianna, sócio do escritório MJ Alves Burle e Viana Advogados especializado em tributário e soluções consensuais de conflitos, é um exercício de advocacia que não olha a diferença, “olha a similaridade”. Segundo o advogado, a mediação não serve para todos os casos de particulares que envolvem a União. “Assim como a transação tributária e a negociação também não servem para tudo.”

Um dos pontos que leva uma empresa a tentar negociar, segundo Allan, que já participou de acordos na CCAF, é a análise da conjuntura econômica. “Analisamos onde o litígio está socialmente, politicamente, se o pedido faz sentido”, afirma. Na circunstância atual, por exemplo, de carga tributária alta, discussão de reforma e o governo precisando de dinheiro, acrescenta, o particular precisa se perguntar qual a expectativa de receber o valor integral de uma indenização, por exemplo.

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Os 143 casos resolvidos são cerca da metade do total levado à Câmara. A solução deles veio, em média, em um ano e sete meses (634 dias) – de forma mais rápida em relação ao Judiciário, que leva 3,4 anos por meio do processo eletrônico, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas já houve caso definido, segundo o diretor da CCAF, em sete dias.

“Estamos saindo de uma cultura de litigância. A cultura da pacificação é nova e você tem que apresentar ao cliente, que hoje se sente muito seguro no Judiciário”, afirma Gustavo Justino de Oliveira, advogado na CCAF e professor da USP. De acordo com ele, dentro da estratégia de resolver o conflito são considerados e explicados vários caminhos. “Demonstramos até com percentuais de efetividade onde é melhor dar início à gestão daquele conflito.”

Na prática da advocacia, diz Oliveira, não há uma única solução a apresentar para o cliente. “É dever do advogado hoje apresentar soluções extrajudiciais. Não é que a judicial não vai ser buscada, mas dependendo do tipo de conflito, talvez o Judiciário não seja o melhor destinatário”, afirma o advogado.

Oliveira atuou em um dos primeiros casos envolvendo ente privado julgado pela CCAF. Tratava-se de um contrato de prestação de serviços e fornecimento de equipamento da área de tecnologia da informação para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O caso foi resolvido em um ano e meio – tramitava, na época, há quatro anos no Judiciário.

A Câmara foi criada em 2007 para resolver, por meio da conciliação, controvérsias jurídicas entre órgãos e entidades da administração federal. Na época, adotava também a arbitragem, função que deixou de ser aplicada conforme seu escopo de atuação foi aumentando com o passar do tempo – incluindo Estados, municípios e entes privados. A Lei de Mediação (nº 13.140) ampliou a competência da CCAF, prevendo a participação de particulares, regulamentada por decreto em 2021.

Um dos maiores incentivos para as partes buscarem a CCAF é o tempo reduzido de resolução, segundo a advogada e professora Bianca Bez. Ela está conduzindo aulas sobre análise econômica do direito dentro do curso de formação conduzido na Câmara. “Ao estudar como as pessoas fazem escolhas, você pode criar mais incentivos”, afirma.

A análise econômica do direito, diz ela, é uma teoria que vem ganhando espaço no Judiciário e, ao contrário do que parece inicialmente, não se confunde com uma questão numérica, mas com a análise da tomada de decisões. “A imprevisibilidade jurídica fomenta acordos judiciais e o otimismo de partes e advogados fomenta comportamentos arriscados”, afirma. “Essa compreensão ajuda a propor ações ou fechar acordos.”