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Riscos reputacionais em empresas: a ilegitimidade da ‘penalização às avessas’

Revista ConJur - 13 de novembro de 2023

Riscos reputacionais em empresas: a ilegitimidade da 'penalização às avessas'

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*Artigo publicado originalmente no ConJur, no dia 12 de Novembro de 2023

Gustavo Justino de Oliveira

Matheus Teixeira Moreira

12 de novembro de 2023, 8h00

O combate à corrupção, muitas vezes impulsionado a partir da superveniência de escândalos corporativos, assume uma posição de preponderância no debate político-jurídico nacional há, no mínimo, 30 anos. Uma vez alçado a esse lugar de protagonismo, naturalmente surgem controvérsias e imbróglios decorrentes de uma pauta anticorrupção que prescinde de análise mais detida. Por ora, trataremos  da responsabilidade atribuída às empresas diante desse cenário.

No Brasil, é comum assistirmos a situações de “penalização às avessas”, isto é, quando, diante de um escândalo corporativo, uma pessoa jurídica é muito mais penalizada — sobretudo em termos de reputação — do que a pessoa física responsável pela conduta lesiva. Conclusão semelhante foi alcançada por Érica Gorga, pesquisadora nas universidades norte-americanas de Stanford e Yale, ao apontar um erro crucial na estratégia da operação “lava jato”, porquanto “o modelo de responsabilização adotado pelo MPF de Curitiba fez recair a maior parte das penalizações sobre as empresas, em vez de buscar confinar o ônus financeiro sobre os acionistas controladores responsáveis pelos ilícitos empresariais perpetrados” [1].

Com efeito, quando a penalização é focada muito mais na pessoa jurídica do que na pessoa física vinculada e responsável pelo ato ilícito, consequências temerosas de reputação se impõem como desafios de difícil contorno, pois a reputação de uma empresa é uma das maiores preocupações de seus dirigentes, senão a maior, tendo em vista a íntima relação desta com a saúde financeira da organização. Intuitivamente, podemos afirmar que uma empresa que goza de boa reputação perante seus pares no mercado e sua carteira de clientes e/ou consumidores é uma empresa que aufere rendimentos mais significativos. Portanto, abalos reputacionais levam, sem dúvidas, a adversidades diversas que têm impacto no próprio caixa.

Diante desse contexto, em tempos de sociedade da hiperinformação, é absolutamente imperioso se atentar em relação à assim chamada prática do cancelamento; isso porque “cancelamento vira menos negócios, menor empregabilidade, menor geração de receita e de pagamento de tributos” [2], em um cenário, portanto, em que todos os envolvidos, direta ou indiretamente, acabam perdendo.

Sendo assim, é evidente que o risco reputacional constitui um desafio que deve estar sob permanente vigilância das empresas que, por intermédio de condutas perpetradas por colaboradores ou ex-colaboradores, se veem imersas em escândalos corporativos. Em paralelo, a mesma preocupação deve ser observada pelos players que travam negócios com a organização afetada, sempre a partir de uma perspectiva adequada, que leve em consideração o que e como a pessoa jurídica tem feito para prevenir, reparar e coibir práticas ilícitas por parte das pessoas físicas a ela vinculadas.

Uma boa estrutura de governança é capaz de fazer essa distinção: “[e]m ambientes internacionais […] fica fácil separar as pessoas físicas das jurídicas, mesmo porque a administração executiva geralmente tem de prestar contas ao conselho de administração e ao mercado” [3]. Por essas e outras razões, quando um escândalo corporativo vem à tona, o ideal é que as pessoas físicas responsáveis sejam imediatamente identificadas, investigadas e, se for o caso, punidas e afastadas da organização, de forma temporária ou permanente (a depender da gravidade da conduta). No Brasil, infelizmente, há uma tendência a se estender essa culpabilidade a toda a estrutura da pessoa jurídica, inclusive seu nome e marca, que passa a conviver com uma pecha negativa de difícil reversão.

Defendemos, portanto, que o risco reputacional advindo de escândalos corporativos deve ser tratado com a seriedade que merece, de modo a privilegiar a o processo de identificação dos verdadeiros e diretos responsáveis pelo fato gerador do abalo reputacional — que muitas vezes constitui um ato ilícito. Entendemos, salvo melhor juízo, que se a pessoa jurídica envolvida toma as medidas necessárias para coibir e reparar o ato, e investe em políticas de prevenção, não faz sentido que conviva ad eternum sob a sombra do erro de um ex-colaborador, dirigente ou qualquer pessoa física que esteja em sua teia de relações.

[1] GORGA, Érica. Lava Jato cobra conta de quem não deve, diz pesquisadora. In: FOLHA DE S.PAULO. 4 out. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/10/lava-jato-cobra-conta-de-quem-nao-deve-diz-pesquisadora.shtml. Acesso em 6 nov. 2023.

[2] DI CILLO, op. cit., 2024. p. 540.

[3] DI CILLO, Roberto. Compliance no setor de infraestrutura. In: CARVALHO, André Castro et al (orgs.). Manual de Compliance. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024.p. 539.