Justino de Oliveira Advogados
Logo Branca Logo Preta

Recuperação judicial no caso Light: antigos temores, novos desdobramentos

Direito Administrativo - 6 de junho de 2023

Recuperação judicial no caso Light: antigos temores, novos desdobramentos

COMPARTILHE

*Artigo publicado originalmente na coluna Público & Pragmático, da revista Consultor Jurídico, no dia 4 de junho de 2023

Por Gustavo Justino de Oliveira e Matheus Teixeira Moreira

Como tem sido amplamente divulgado na imprensa e no meio especializado, recentemente foi movida ação judicial pelo Grupo Light — aí inclusa a holding, sociedade de direito privado, controladora das subsidiárias Light Sesa, concessionária de serviço público (responsável pela distribuição), Light Energia, sociedade de direito privado (geração e transmissão), e a Lajes Energia, sociedade de direito privado — objetivando a concessão de tutela provisória inibitória que visaria suspender a exigibilidade das obrigações financeiras devidas pelo grupo, por prazo determinado, para que a empresa ganhe fôlego e tempo em negociações com os credores mediante instauração de processo autocompositivo mediado.

Sendo uma das maiores do segmento, a Light alega dificuldades financeiras causadas não só pelo cenário caótico experimentado em todo o setor de energia no Brasil, mas também pelo que chama de “perdas não-técnicas” — referentes a furtos, ligações clandestinas e problemas relacionados à segurança pública em geral —, bem como pelos descontos obrigatórios decorrentes da Lei 14.385/2022 — que determinou a devolução integral aos consumidores de créditos tributários decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. Alega, ainda, impactos econômicos decorrentes da epidemia de Covid-19.

Se no princípio do imbróglio um dos focos da discussão era sobre a possível incompetência do juízo para processamento e julgamento de ação dotada de claras similitudes em comparação a um processo de recuperação judicial, atualmente o conflito assumiu novos contornos — ainda mais controversos. O fato de a ação ter sido recebida somou-se à autorização concedida via liminar para suspensão das cobranças de débitos contra a empresa, indicando que a polêmica posição do tribunal local dificilmente seria revertida — como mais uma evidência disso, os pedidos de suspensão da cautelar foram denegados em segunda instância.

Desde o princípio do caso, estudiosos e interessados que acompanhavam o desenrolar da situação já chamavam a atenção para os riscos decorrentes de uma hermenêutica pouco convencional [1]. Isso porque a Light Sesa, concessionária de serviço público, enquanto subsidiária de maior porte junto à holding e garantidora de grande parte das dívidas da empresa, não poderia se submeter ao procedimento de recuperação por expresso impeditivo legal. Isto é: a Lei 12.767/2012 impede que concessionárias de energia elétrica possam recorrer a tal medida, a não ser que suas concessões sejam extintas. É o que prevê o artigo 18 da sobredita norma:

“Art. 18. Não se aplicam às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica os regimes de recuperação judicial e extrajudicial previstos na Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, salvo posteriormente à extinção da concessão.”

Como o polo ativo da ação não engloba apenas a concessionária (Light Sesa) — que é detentora da imunidade consolidada no sobredito artigo 18 da Lei 12.767/2012 —, mas também as outras subsidiárias cuja natureza jurídica não impede a instauração de procedimento de recuperação judicial ou extrajudicial, a preocupação dos credores era de que fosse dado um “cheque em branco” para a distribuidora.

E foi basicamente o que aconteceu a partir da decisão judicial que, em 15 de maio, deferiu o pedido de processamento de recuperação judicial.

Em síntese: a concessionária (Light Sesa) não poderia submeter-se ao processo de recuperação, por força do artigo 18 da Lei 12.767/2012, mas a mesma regra não se aplicaria à holding e demais subsidiárias, que estão sujeitas à incidência dos regimes previstos na Lei 11.101/2005. Esse foi o entendimento adotado e reafirmado em diferentes instâncias do Tribunal Fluminense.

Diante do aparente fracasso de mediação autocompositiva proposta pela Light, imersa em meio aos receios dos credores, a empresa partiu para o tudo ou nada: utilizando-se da manobra jurídica chancelada pela interpretação do TJ-RJ, formalizou, por meio da holding, o pedido de recuperação — conforme previmos em artigo sobre o tema publicado anteriormente [2]:

“Assim, caso o pleito de autocomposição seja malsucedido, uma alternativa que provavelmente será buscada pelo Grupo Light será acionar o pedido de recuperação em prol das demais subsidiárias, com extensão à distribuidora. Caso esse seja o caminho adotado, não será fácil nem simples a argumentação jurídica a ser desenvolvida para convencimento do julgador, e a empresa necessitará mais do que nunca do apoio técnico-jurídico de especialistas na matéria.”

Frise-se que, muito embora a solução negociada de conflitos não tenha sido exitosa neste primeiro momento, no pleito de recuperação judicial as modificações feitas pela Lei 14.112/2020 junto à Lei de Falências e Recuperação (Seção II-A) permitem a autocomposição. Veja-se:

“Art. 20-A. A conciliação e a mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos Tribunais Superiores, e não implicarão a suspensão dos prazos previstos nesta Lei, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial.”

“Art. 20-B. Serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente:

II – em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais.”

Ainda sobre a solução negociada de conflitos, reproduzimos aqui nosso entendimento segundo o qual, no momento mais oportuno, a condução do poder público estadual à mesa de negociação pode ser medida de direto interesse para as partes; isso porque, como amplamente sabido, grande parte dos prejuízos sofridos pela Light decorre dos problemas sistêmicos de segurança pública no estado do Rio de Janeiro, a exemplo das perdas não-técnicas originadas por furtos de luz, ligações clandestinas e ação orquestrada de organizações criminosas.

[1] Um mês atrás, quando o conflito ainda estava em estágio inicial, publicamos artigo de opinião com nossas impressões preliminares sobre o tema: OLIVEIRA, Gustavo Justino de; MOREIRA, Matheus Teixeira. Os desafios da Light e a insegurança dos credores: há luz no fim do túnel? JOTA, 8 mai. 2023. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/os-desafios-da-light-e-a-inseguranca-dos-credores-ha-luz-no-fim-do-tunel-08052023. Acesso em 2 jun. 2023.

[2] Ibid.

Gustavo Justino de Oliveira é professor doutor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito na USP e no IDP (Brasília), árbitro, mediador, consultor, advogado especializado em Direito Público e membro integrante do Comitê Gestor de Conciliação da Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos do CNJ.

Matheus Teixeira Moreira é advogado pós-graduado em Direito Público, pós-graduando em Direito e ESG pela Fundação Getulio Vargas-SP (FGV Law), especialista em Direito Administrativo e coordenador do Núcleo de Consultoria e Assessoria em Direito Público no escritório Justino de Oliveira Advogados.