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Compliance concorrencial: controvérsias do excesso de cautela reputacional

Revista ConJur - 30 de novembro de 2023

Compliance concorrencial: controvérsias do excesso de cautela reputacional

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*Artigo publicado originalmente no ConJur, no dia 26 de Novembro de 2023

Gustavo Justino de Oliveira

Matheus Teixeira Moreira

26 de novembro de 2023, 8h00

O fortalecimento da agenda anticorrupção levou ao florescimento dos temas afetos à conformidade e ao compliance. Nesse cenário, o excesso de cautela reputacional pode causar efeitos adversos — inclusive em matéria de compliance concorrencial. Isso porque o ato de vedar sem qualquer fundamento razoável a contratação de terceiro — ou até mesmo impedi-lo de participar de certames como as cartas-convite — tem consequências diretas à concorrência do setor.

Sob uma perspectiva macro, esse tipo de “boicote” revela-se uma prática anticoncorrencial à medida que enfraquece a participação da empresa em um mercado que se torna mais concentrado. Sob um viés interno da própria pessoa jurídica que promove o boicote, a prática representa uma contradição econômica, já que o player seria uma opção a mais dentre as alternativas da empresa contratante; ao ser preterido, o cenário que se impõe à contratante é de um provável aumento dos valores propostos para o contrato que deseja firmar, porquanto conta com menos um possível prestador entre os concorrentes.

Por analogia, resgatamos da doutrina o conceito de restrições verticais, o que “geralmente ocorre quando os agentes ocupantes de níveis diferentes da cadeia produtiva possuem alguma racionalidade econômica na integração”. E mais: “[o]s riscos de repercussões anticompetitivas associados a essas práticas em geral estão relacionados ao fechamento de mercado à montante ou à jusante, ao aumento de custos de concorrentes, ou ainda à adoção de condutas discriminatórias, como recusa de contratar, que inviabilizam a atuação de outros players” [1].

A prática das restrições verticais (ou acordos verticais), se devidamente comprovada, constitui clara violação à lei antitruste. Esse é um argumento sólido para defender a posição de que um concorrente somente deve ser alijado de processos negociais se existirem evidências ou indícios suficientes de que ele não cumpre os critérios básicos da agenda do compliance e da integridade; caso contrário, existe a possibilidade de restar configurada conduta anticoncorrencial por parte da pessoa jurídica contratante, ainda que a intenção por trás da conduta seja nobre e de caráter preventivo.

Frise-se que a estrutura de integridade tem o condão de qualificar a atuação da pessoa jurídica por meio da estruturação de políticas e práticas que tragam segurança e eficiência para a organização. O compliance, nesse sentido, é um mecanismo de otimização das relações jurídicas e “não deveria ser ferramenta de persecução penal ou mesmo de cancelamento em detrimento das pessoas jurídicas” [2]. Ou seja, a cautela excessiva com o compliance pode acabar implicando no descumprimento a determinados ditames da própria estrutura de compliance, inclusive em sua ramificação concorrencial.


[1] SILVEIRA, Paulo Burnier da; FERNANDES, Victor Oliveira. Compliance Concorrencial. In: CARVALHO, André Castro et al (orgs.). Manual de Compliance. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense. p. 328.

[2] DI CILLO, Roberto. Compliance no setor de infraestrutura. In: CARVALHO, André Castro et al (coords.). Manual de Compliance. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024.p. 548.